terça-feira, 4 de agosto de 2015

Contra os preconceitos: “Historiadorxs Negrxs” e a Anpuh 2015

Entre 27 e 31 de julho de 2015, a Universidade Federal de Santa Catarina foi palco do XXVIII Simpósio Nacional de História. Dentre os mais de 7.000 participantes, espalhados em minicursos, oficinas e cento e dezenove simpósios temáticos, uma coisa saltou-me aos olhos: a expressiva quantidade de historiadoras e historiadores negros que participaram do evento. Seja na condição de apresentadores de trabalhos, “ouvintes” ou coordenadores de ST´s, tatuamos nossa mensagem. Uma mensagem de empretecimento acadêmico que “causou”, de variadas formas. No dia 28/07, assisti a um dos Diálogos Contemporâneos, que se deu na forma de mesa dedicada a discutir as relações entre feminismo e historiografia, dentro e fora da universidade. Embora oportunas e em consonância com o título do simpósio - Lugares dos historiadores: novos e velhos desafios, questões cruciais aos estudos feministas contemporâneos desviaram-se. Dentre as quais destacam-se: a crítica à perspectiva binária de gênero, o lugar da interseccionalidade na produção teórico-prática do campo e o engajamento do feminismo acadêmico em questões prioritárias, como por exemplo, o recente debate sobre a redução da maioridade penal, com seu desastroso resultado para as famílias brasileiras pobres, majoritariamente conduzidas por mulheres negras. Tais desvios revelam os limites e desafios para a construção de feminismos acadêmicos com fôlego para reler a máxima de Simone de Beauvoir (“ninguém nasce mulher, torna-se mulher”) à luz da diversidade de classe, raça e sexualidade que nos compõe enquanto sujeitas (os) históricos. Se os espaços formais são importantes para a divulgação do conhecimento científico, os lugares da informalidade mostraram-se tão potentes quanto, revelando o quanto a vida “nas margens da história”, se quisermos usar a categoria de Natalie Zemon Davies, tem contribuído para construirmos saberes transgressores. Foi esse o caso da campanha Historiadorxs Negrxs da Anpuh, que se espalhou tal qual as boas e velhas sementes de cacau, conhecidas por seu vigor. Dentre um dos principais resultados da campanha, que contou com dezenas de pós-graduandas (os) negros do Brasil, está a série de fotografias que tiramos na escadaria do Centro de Cultura e Convivência da acolhedora universidade de Florianópolis. Para muitas pessoas os registros podem parecer algo menor, mas ver tantas e tantos pesquisadores negros reunidos significa que a excepcionalidade, que ainda hoje legitima nossa presença na academia, tornar-se-á cada vez mais “coisa da antiga”.



Campanha Historiadorxs Negrxs Anpuh 2015

(Universidade Federal de Santa Catarina)


Na aurora de novos tempos, também foi muito gratificante participar da reunião administrativa do Grupo de Trabalho Nacional Emancipações e Pós-abolição, um GT que reúne grande parte de historiadoras e historiadores dedicados ao estudo das populações negras no pós-abolição e na escravidão. Se a historiografia dos anos 1980 foi revolucionária ao afirmar que escravos eram sujeitos e não coisas, pode-se dizer que dos anos 2000 em diante, perguntas e respostas no campo têm sido constantemente reinventadas a partir de pontos de vista de pesquisadoras (es) negros formados nos últimos quinze anos. Considerando agências e experiências, conceitos centrais da História Social, vertente historiográfica na qual boa parte dessa produção insere-se, afirmamos que nossa participação na escrita da história tem feito toda a diferença na construção de outros sentidos de universidade e de ciência. Sentidos múltiplos tanto para nós quanto para as futuras gerações que começamos a formar.




Integrantes do GT Nacional Emancipações e Pós-abolição


A despeito das particularidades de cada história, o esforço em conjugar nossos lugares de fala como intelectuais negras (os) ao compromisso com a produção de conhecimento científico representa um direito conquistado. Um direito ao qual fazemos jus diariamente tanto em aulas, orientações, funções administrativas quanto em publicações e pesquisas - individuais e coletivas – estas últimas reconhecidas e consagradas pelas agências nacionais e internacionais de fomento à pesquisa. Nesse sentido, vale a pena retomar à máxima do feminismo negro de que “nossos passos vêm de longe” para homenagear historiadoras (es) de pele preta que nos inspiram faz tempo. Olhar para vocês e para nós leva-nos à constatação de que o “regime de exceção” é finito. Um fim-horizonte no qual coexistem barreiras e conquistas memoráveis como a aprovação da Moção de Apoio às Cotas Raciais na Pós-Graduação, lida e aclamada na Assembleia Geral. Um momento no qual historiadoras e historiadoras (es) - negros e brancos - de diferentes gerações celebraram o tema que sagrou-se vitorioso para o próximo simpósio: Contra os preconceitos: história e democracia, mais uma, dentre tantas grandes conquistas, materializadas pelos nossos passados-presentes-futuros.



Leitura coletiva da Moção de Apoio às Cotas Raciais na Pós-graduação
Assembleia Geral da Anpuh


De cima para baixo:

Campanha Historiadorxs Negrxs Anpuh 2015

Comemoração da aprovação da moção em apoio às cotas raciais na pós-graduação.

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